Uma vida equilibrada inclui algum desequilíbrio. Para aprender a andar é preciso cair. Vivemos, no entanto, coletivamente, um período de grande desequilíbrio em inúmeras áreas, começando pelas mudanças do clima, que sentimos na pele. Mas, de onde vem tanto desequilíbrio? Quando nos afastamos demais de uma vida balanceada, pode surgir um período de grande transformação que chama para um novo equilíbrio. E esse período pode vir acompanhado de intensa turbulência. Assim como a criança, é possível cultivar a disposição para se levantar depois da queda.
Não estamos prontos, estamos em movimento. Não somos seta, somos tocha. E é nesse flamejar que buscamos aquecer nossos potenciais. Cada um com os seus, cada um com a sua busca. Em tempos de uniformização, produtividade e eficiência como valores máximos, a singularidade de cada chama pode assustar. Por vezes, tentamos mascarar nosso jeito, nosso brilho ou nossa sombra para que exista aceitação. Mas será que é isso o que a vida pede? Somos vulneráveis porque somos afetados e também afetamos - de forma única.
Petiscamos: alimentos, manchetes de notícias, afetos... Buscamos nutrição. Mas será que temos a abertura necessária para achar ou preferimos permanecer na superfície, na dispersão e no petiscar que nem sempre nutre? Para ser um real buscador é preciso ter a humildade e a coragem de mergulhar, de se abrir para as profundezas dos oceanos. Despir-se de crenças aconchegantes que nos confortam, como roupas antigas já adaptadas ao corpo, é um desafio.
Lidar com falhas, imperfeições e erros — os nossos e os dos outros — é um desafio. Vale lembrar que ninguém está pronto, somos inacabados porque em processo de evolução. Colocar-se nos relacionamentos de forma propositiva e auxiliadora, buscando compreender a história, o momento e a maturidade do outro é uma forma de doação. E conforme nos doamos, também recebemos.
Presa por um fio, solta pelo vento. Lá vai a pipa. O que queremos soltar e o que queremos conservar como solidez para seguirmos adiante? Nestes tempos, em que situações extremas batem à porta nas mais diversas áreas da vida, somos confrontados e pressionados. Somos enfaticamente convidados a fazer uma revisão de nossos papéis e de nossas certezas. Podemos até achar que somos livres, como uma pipa ao vento. Mas, se prestarmos atenção, talvez estejamos ainda ligados por um fio a valores que precisam ser deixados ou reformulados.
O querer não cessa. Estamos sempre direcionando nossa energia e força para algum objetivo ou objeto de desejo. Impulsionador do pensar, falar e agir, o querer tem camadas de profundidade e movimenta quem somos. Por vezes é superficial, como uma expressão apenas do corpo físico para atender às necessidades básicas. Outras vezes, movimenta camadas mais profundas para atender além das necessidades materiais. O que queremos? Será que o nosso querer vibra numa sintonia que beneficia o todo?
Como estamos remando nossos desassossegos, nossas dúvidas, nossa capacidade de questionar? Há vários tipos de perguntas. Algumas têm seu nascedouro no coração, outras na razão. Conforme navegamos, vamos nos conhecendo e descobrindo quais perguntas são essenciais para seguirmos adiante. A possibilidade de questionar e analisar leva à capacidade de construir uma paisagem de águas mais claras, talvez mais calmas.
Textos desta Edição:
- As estações e seus movimentos
- Expandir os potenciais
- Correnteza